Com a chegada da pandemia da Covid-19, o uso de aplicativos de entrega de alimentos foi uma das principais opções de bares e restaurantes para atender aos consumidores e evitar perdas maiores no próprio faturamento. No Rio Grande do Norte, de acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 73% das empresas potiguares oferecem o serviço. Destes, 91% estão no iFood. A alta adesão, no entanto, é seguida de inúmeras reclamações por parte dos empresários, que têm buscado nas próprias plataformas uma alternativa para fugir dos serviços do iFood.
Uma das reclamações em comum a todos os estabelecimentos visitados pela TRIBUNA DO NORTE é em relação às altas taxas cobradas, que costumam variar entre 15% e 30%. Segundo Ricardo Calazans, proprietário do Kalaz Restaurante, em Candelária, na zona Sul de Natal, a estratégia para fugir dos abusos tem sido fidelizar os clientes no aplicativo do próprio estabelecimento, com preços mais em conta do que aqueles oferecidos no iFood.
“Não temos custos com comissões no nosso app, então, conseguimos conceder vários tipos de vantagem, como descontos de 10% no nosso cardápio em relação ao preço do iFood”, explica Calazans. Além disso, de acordo com o empresário, o restaurante conta com um programa de fidelidade, onde são oferecidas taxas grátis de entrega, a depender do valor da compra.
“Mas, de tudo isso, a principal vantagem para o Kalaz é o banco de dados que nós temos na nossa plataforma, que funciona como uma vitrine e, além do que, nos permite fornecer preços melhores para os nossos clientes. Os clientes podem fazer os pedidos, ainda, por telefone ou WhatsApp”, afirma Ricardo Calazans.
O empresário Felipe Medeiros, proprietário da conveniência Gela 84, em Capim Macio, também na zona Sul da capital, é outro que aposta em uma plataforma própria para tentar fugir dos altos preços do iFood.
“Nós tentamos criar um vínculo com o cliente pelo nosso aplicativo e pela nossa central telefônica. A gente faz um cadastro para tentar fidelizá-lo conosco, porque nossa plataforma tem um preço mais barato do que os produtos oferecidos no iFood”, conta Medeiros.
As altas taxas, no entanto, não são o único motivo de reclamação entre os empresários do setor. Felipe Medeiros relata que uma prática tem sido constante para os pedidos entregues pela conveniência via iFood. “Hoje, nós sofremos, principalmente, com fraudes. O cliente faz o pedido, recebe o produto e em seguida pede o cancelamento, que é atendido imediatamente pelo iFood. Às vezes o consumidor alega que não recebeu a entrega ou que o produto está avariado. Não nos é oferecida opção nenhuma de defesa”, desabafa o empresário.
Reclamação semelhante é descrita pelo restaurante Bari Palesi, em Capim Macio. Funcionária do local, Valfrania Xavier diz que as fraudes nesse sentido são recorrentes. “A gente reclama, mas raramente o valor é restituído. Na maioria das vezes, quem perde é o restaurante”, afirma. Segundo ela, o restaurante tem o serviço próprio de entrega, mas que ainda não consegue se sobrepor ao iFood.
A monopolização dos serviços por parte da empresa também é motivo de reclamação para quem atua no setor, já que os estabelecimentos se dizem reféns das regras do iFood. “É a empresa quem dita as regras, inclusive, de posicionamento das marcas no mercado. Se você não tem o app do Ifood, você não é visto. Então, você fica forçado a entrar na plataforma. Ao mesmo tempo, nossa margem de lucro fica comprometida, por causa das altas taxas”, descreve Ricardo Calazans, do Kalaz.
Felipe Medeiros, da Gela 84, também afirma que os estabelecimentos são forçados a aderir aos serviços do iFood. “É permitido que parte do serviço de entrega seja nosso e parte do iFood (o cliente pede na plataforma e nosso motoboy faz a entrega). Mas, se houver fraudes, não há nenhuma garantia de estorno”, comenta.
“Eu preciso chamar um motoboy do iFood para diminuir esses riscos. Ou seja, a empresa nos obriga, mais uma vez, a usar a aplicativo dela”, prossegue Medeiros.
À TRIBUNA DO NORTE, o iFood afirmou que “reforça que suas políticas comerciais estão em estrita conformidade com a legislação concorrencial e esclarece que o setor de delivery online segue em constante evolução com a entrada frequente de novos competidores e o surgimento de novos modelos de negócios”.
Essa competição intensa, disse o iFood, “favorece restaurantes, entregadores e consumidores, e promove mais inovação para todo o ecossistema”. Segundo o presidente da Abrasel no RN, Paolo Passariello, há uma forte dependência dos associados à plataforma e reconheceu que é difícil reverter o atual cenário.
“Há uma verticalização, com a oferta de uma série de serviços ligados à alimentação, e é muito difícil reverter essa situação. Vários estabelecimentos ficaram dependentes disso e para vender, aceitam todas as condições que foram aplicadas. Na realidade, não tem como discutir”, afirma.
“Como entidade representativa do setor, com um consistente número de associados que vendem no iFood, nunca conseguimos ter um canal direito com essa empresa para dialogar. Só nacionalmente que foi criado, há pouco tempo, um fórum com as entidades do setor, mas sabemos que muitas vezes a solução está na base”, completa Passariello.
Cai quantidade de negócios operando no prejuízo
O número de bares e restaurantes que operam com prejuízos no RN caiu em fevereiro, de acordo com a pesquisa “Situação Econômica Alimentação Fora do Lar”, da Abrasel. Em janeiro deste ano, segundo a associação, eram 37% dos estabelecimentos nesta condição. No mês seguinte, o índice caiu para 34%, resultado abaixo, inclusive, da média nacional (38%). Ainda conforme a pesquisa, 23% das empresas tiveram lucro (em janeiro, foram 24%) e 42% apresentaram estabilidade.
Além disso, 41% das dos estabelecimentos optantes do Simples Nacional têm parcelas em atraso. Desse total, uma em cada 5 empresas dizem não ter como resolver as pendências até 29 de abril, prazo para aderir ao programa de renegociação de débitos, batizado de Relp.
A pesquisa foi realizada entre os dias 25 de março e 4 de abril. Para os empresários ouvidos pela reportagem, a situação não é de prejuízos, embora os lucros estejam sendo comprometidos pela alta da inflação.
“No Kalaz, o cenário de vendas está até melhor do que antes da pandemia, mas ele se restringe somente a esse aspecto. Há um consumo crescente e, ao mesmo tempo, uma inflação desenfreada, o que é preocupante e compromete nossa margem de lucro. Também é bom frisar que, quando eu falo de boas vendas, falo apenas da minha realidade. Outros empresários ainda passam por dificuldades”, destaca Ricardo Calazans.
Valfrania Xavier, do Bari Palesi, afirma que a inflação também tem comprometido os lucros do restaurante. “A situação está melhorando, mas é bom lembrar que muita gente ainda tem dívidas. O setor precisou fazer muitos empréstimos e por isso, há muitas dívidas. Sem falar nos altos preços dos produtos, que nem sempre dá para repassá-los ao cliente, sob pena de inviabilizar as vendas”, aponta.
Já para Felipe Medeiros, da Gela 84, o cenário tem sido de bons ventos. Ele reconhece, no entanto, que há dificuldades para outros estabelecimentos. “Abrimos a conveniência durante a pandemia e hoje nós temos um aumento significativo de vendas e de faturamento. Não consigo precisar se isso é em decorrência do crescimento da empresa ou se é porque a pandemia estava nos afetando e acabou melhorando agora. Mas, claro, muitos empresários ainda enfrentam dificuldades”, analisa.
Para a Abrasel, o primeiro trimestre de 2022 trouxe uma boa expectativa ao setor, embora o segmento ainda sofra com reflexos da pandemia. “Estamos animados com os números, mas, como aponta a pesquisa, muitos ainda fecharam com prejuízo. Isso devido, principalmente ao pagamento dos empréstimos contratados durante a pandemia”, avalia Paolo Passariello, presidente da seção potiguar da entidade, que também chamou atenção para as consequências da alta inflação que o país enfrenta.
“Em termos de faturamento, podemos considerar que já existe um panorama semelhante a antes da pandemia, mas o resultado liquido caiu bastante, mesmo entre as empresas que fecharam no positivo, resultado da alta inflação dos insumos. E a maioria não consegue repassar os reajustes para não ficar fora de mercado”, explica Passariello.